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terça-feira, 21 de julho de 2015

CAMERON, OS SEUS PARCEIROS E A ESCRAVATURA


O Ministério britânico do Interior teve uma espécie de rebate de consciência. Uma ousadia propagandística insuficiente, tardia e que, no limite, tem o efeito perverso de uma prática enganosa.
Decidiu o aparelho policial e de segurança às ordens do senhor Cameron, por delegação de Sua Majestade, lançar uma campanha contra aquilo a que chamou a “escravatura dos tempos modernos”, campanha essa destinada a sensibilizar para os abusos contra os direitos humanos cometidos por redes que traficam pessoas para serem exploradas na prostituição, ou no serviço doméstico ou em alguns trabalhos clandestinos, designadamente em actividades rurais.
Este tráfico é uma realidade nua e crua em todos os países da União Europeia, e outros ditos civilizados; ora se o governo do senhor Cameron organiza uma campanha a propósito de tais aberrações, aparentemente manifesta o desejo de ir mais longe que todos os seus homólogos, os quais assobiam para o ar porque as suas preocupações são outras e bem mais importantes, por exemplo ajudar os credores a especular em liberdade com as dívidas soberanas.
Claro que o senhor Cameron se limita a uma campanha de sensibilização, como quem pede “meus senhores e senhoras, por favor sejam gentis, não explorem tanto essas pessoas, é chato e pode dar mau aspecto”. Combater de facto esses tráficos de escravos, mobilizando o sistema policial e de segurança para reprimir e eliminar tais práticas, é objectivo que não aparece nos horizontes do governo de Sua Majestade. O mais certo é que depois de esgotado o prazo de validade da campanha tudo continue na mesma e sejam marteladas mais umas estatísticas dando contas de supostos êxitos tão transitórios como esta inócua inquietação perante crimes abomináveis.
A campanha não passará, na verdade, de um exercício de propaganda. O tráfico de seres humanos que se pratica na União Europeia, e em todo o mundo dito civilizado, não é mais do que um fruto da mentalidade dominante, que coloca o lucro e os negócios acima das pessoas e dos direitos humanos. A “escravatura dos nossos dias”, para usar a expressão escolhida pelo Ministério britânico do Interior, não se resume ao funcionamento de redes clandestinas que comercializam pessoas para serem exploradas até aos limites das suas capacidades e resistências. As migrações não desejadas por quem é obrigado a sujeitar-se-lhes, por razões de sobrevivência, traduzem um tráfico encapotado, são uma forma de escravatura de sempre - e também de hoje. E que dizer do trabalho precário, dos despedimentos a eito, dos salários miseráveis e em redução permanente, da abolição de pensões e subsídios, das cargas horárias determinadas tão só pela ganância de quem as impõe, protegido pelas cumplicidades governamentais e legislativas? Tudo isto integra o lote das práticas de “escravatura moderna” que, além de não serem alvo de quaisquer denúncias ou campanhas governamentais, fazem parte dos comportamentos tolerados, encorajados e legislados pelos próprios governos.
O tráfico de pessoas para a prostituição, o serviço doméstico, a exploração nos campos caracteriza-se por afrontar deliberadamente as leis, ser clandestino e passível de combate policial, desde que haja vontade política e humanitária para isso. O facto de outras imposições próximas da escravatura como o trabalho sem direitos, a chantagem com o desemprego e, no fundo, “a liberalização do mercado de trabalho” se desenvolverem de acordo com as leis não as torna menos gravosas ou menos exploradoras. Pelo contrário, faz dos que as aprovam e permitem tão escravocratas como os traficantes de pessoas. Com uma agravante: institucionalizando essas práticas impedem que sejam combatidas ou alvo de campanhas oficiais, assegurando assim a imunidade e a impunidade aos donos “dos escravos dos tempos modernos”

A campanha do senhor Cameron é um ardil, porque a escravatura legal “nos nossos dias” é bastante mais insidiosa que a praticada ilegalmente.

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