A lição já apurada da crise grega, independentemente dos
desenvolvimentos próximos e futuros, é a de que o objectivo primeiro da actual
geração de dirigentes europeus – cuja origem poderemos datar na queda do muro
de Berlim, assumindo em pleno as heranças do reaganismo e do thatcherismo – é a
imposição da austeridade como regime político.
Para os dirigentes europeus em funções, a austeridade não é
um meio, é um fim em si mesmo. Tudo o resto que é invocado, seja a construção
europeia, a solidariedade, o combate à dívida, o rigor orçamental não passam de
meios de propaganda, muitas vezes meios de terror, para impor o objectivo
pretendido.
A este objectivo tem-se chamado austeridade, embora mais não
seja que o restabelecimento de mecanismos de exploração do trabalho e dos
sectores produtivos em geral em benefício da internacional da especulação, que
usa múltiplos heterónimos, sejam mercado, credores, Banco Central Europeu, FMI.
Austeridade é a arma de terror brandida pelos políticos que
agem em nome dos especuladores para liquidar os direitos sociais adquiridos em
combates corajosos, e que foram inscritos na lista de direitos humanos elaborada
há 70 anos na Declaração Universal.
A manobra não pretende restaurar apenas a situação em que os
direitos ao trabalho, ao salário digno, a pensões e reformas decentes, à
associação sindical, à greve e alguns outros sejam pura a simplesmente
suprimidos. Em rigor, as transformações pretendidas não cabem todas na
definição de regressão. Os especuladores e as suas marionetas políticas actuam
para privatizar o Estado, construindo entidades para-estatais, privadas e
dominantes, em que os mecanismos que fazem funcionar a sociedade e gerem a vida
dos cidadãos sejam guiados pelo lucro e não pelos interesses das pessoas.
Não se trata já “de quem quer saúde paga-a”. Situações que
decorrem dos direitos dos cidadãos passam a ser pagas, como regra geral, e quem
não lhes puder aceder, paciência, azar ou incompetência. Olhemos para as dezenas
de milhares de gregos que deixaram de ter água ou electricidade, ou o acesso a
medicamentos para doenças graves, ou a simples assistência médica porque a
vaporização dos seus recursos básicos por causa da austeridade não lhes permite
ter rendimentos para tal.
É por este caminho que nos estão a levar, não tenhamos
qualquer dúvida. Daí o exercício de terror praticado sobre os gregos, com
recados óbvios a outros povos - de que é exemplo o falatório do primeiro
ministro de Portugal em exercício - de que não há alternativa à austeridade.
Muitos e competentes economistas, isentos do pecado de terem simpatia pela
esquerda, provaram por A+B que a austeridade não resolve qualquer problema para
os quais é invocada como solução. A insistência neste caminho não pretende,
pois, resolver o problema, mas sim eternizá-lo como regime político, um regime
em que a democracia não passa de uma farsa para florear o exercício desbragado
da anarquia especulativa.
Ouve-.se dizer, e com razão, que uma tal estratégia
liquidará a própria União Europeia, vítima a prazo dos instrumentos a que
recorre sob as ordens dos credores. É provável que tal aconteça, assim se
demonstrando que a União Europeia apenas foi um ideal para os ingénuos e, na verdade,
nunca passou de um simples instrumento para manter a aprofundar a exploração
capitalista, e agora ao serviço da especulação desenfreada.
Fiquemos cientes de uma coisa. O fim, a prazo, da União
Europeia, uma vez esgotado o seu papel histórico, jamais tirará o sono aos
especuladores. Nova coisa os servirá depois a contento, seja império germânico
ou qualquer outro baptismo que lhes aprouver.
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