Há um país que odeia os seus cidadãos. Outros haverá, mas
fixemo-nos neste que dá pelo nome de Portugal, se gaba de ser muito antigo,
muito cheio de história, saudoso de tempos imperiais e que, em cima destas
glórias, maltrata os seus cidadãos.
Quando se escreve país não se faz alusão a uma entidade
abstracta, mítica, mas sim aos seus dirigentes que, através de gerações e sob
diferentes rótulos políticos, têm como traço de união o ódio aos seus
concidadãos.
A acusação é grave, mas os comportamentos em causa são-no
ainda mais. Tal ódio ressalta de estudos sociológicos apresentados tempos atrás
de tempos e que, merecendo as reservas que exige a inexactidão inerente às
ciências humanas, têm a credibilidade de corresponder ao que cada cidadão, se
tiver os sentidos despertos para a realidade envolvente, vai captando dia após
dia.
Dizem as investigações mais recentes, cujos resultados foram
divulgados apenas há meia dúzia de horas, que Portugal é o país com maior taxa
de emigração entre os 28 da União Europeia, o país que demonstra menos
apetência por livros e outras coisas da cultura, o país onde 20 por cento da
sua força de trabalho tem um vínculo precário – isto é, um estado paredes meias
com o trabalho escravo.
Este é o Portugal do século XXI, com 30 anos de integração
europeia e cujos dirigentes fizeram transferir-se do “orgulhosamente só” para o
muito mal acompanhado com um ligeiro e prometedor interregno que os dirigentes,
sempre eles, renegaram proibindo o país de ter a alforria de decidir por si. Um
Portugal, é bom que se diga, que não consultou os cidadãos sobre a entrada na
União Europeia, a adesão ao euro, as visitas rapinantes na troika e o amontoar
de uma dívida que cresce enquanto se esvaziam os bolsos dos cidadãos.
Poder-se-ia dizer também que Portugal é dos países da União
Europeia com menos Estado e pior Estado, dos que menos gasta em saúde e
educação no caminho para arrasar de vez com o Serviço Nacional de Saúde e a
Escola Pública, hábitos que sobram do tempo escasso em que os cidadãos tiveram
algum poder, mas dediquemos algumas linhas apenas aos estudos mais recentes.
Cinco milhões de cidadãos portugueses ou de origem lusa em
diáspora é meio país fora de casa, em boa verdade corrido pela ameaça de fome,
de miséria, de desemprego, aconselhado a fazê-lo implícita e até explicitamente
pelos dirigentes. Portugueses fora é a promessa de reservas de dinheiro em casa
para redistribuir pelos poucos e mesmos de sempre, habituados como estão a
medrar com a desgraça da maioria. Sendo a maior taxa de emigração da União,
significa que Portugal tem mais elevada percentagem da população fora de portas
que alguns países caricaturados como os patinhos feios, como a Roménia, a
Bulgária, a Lituânia, a Grécia, isso mesmo, a pobre Grécia.
Vinte por cento de trabalho precário devem ser olhados em
conjunto com mais de 20 por cento de desemprego real – esqueçamos as
estatísticas oficiais, mais marteladas ainda que as sondagens eleitorais – com a
percentagem desconhecida dos que já nem procuram trabalho e também levando em
conta o meio país que fugiu para o estrangeiro para não ter de ficar nestas
situações.
Num cenário assim, a cultura poderia ser uma fuga, uma via
de luta pela dignidade, mas as anestesias são outras e disso cuida o bem
comportado aparelho de propaganda, que puxa logo de talkshows idiotas, novelas
imbecis, séries terroristas, noticiários de faz de conta quando lhe falam em
serviço público, cuidando para que seja este o único serviço disponível tal
como única é a mentalidade governante.
Assim ambos se irmanando no desprezo pelos cidadãos, que
mais não é do que uma sinistra forma de ódio.
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