Os europeus e o mundo em geral, embalados pelas lengalengas
da comunicação social tecendo as opiniões à medida do hábito do império do
dinheiro, continuam com o olhar fixo na Grécia – ou melhor, naquilo a que, como
cúmulo da ironia, costuma designar-se o futuro da Grécia – tendendo a ignorar
as decisões de fundo que continuam a jogar-se e envolvem, no mínimo, todo o
espaço europeu. É a velha história, neste caso, de sobrevalorizar a árvore em
detrimento da floresta.
É grave o que se passa na Grécia, será gravíssimo o que irá
passar-se noutros países, entre os quais Portugal, independentemente do que
venha a acontecer na Grécia. À boleia da crise grega foram postas em cima da
mesa situações no âmbito da Zona Euro e da própria União Europeia que, a partir
de agora, não poderão ser varridas para debaixo do tapete pela senhora Merkel,
pelo senhor Schauble e até pelos hoje desavindos Renzi e Hollande, os quais não
tardarão a regressar em boa ordem ao redil.
A primeira dessas situações, e absolutamente fulcral, é a
evidência da verdadeira estratégia imposta pela Alemanha em Maastricht e que
teve como consequência a exportação da política monetária alemã, através do Euro,
a mais de metade dos países da União Europeia, independentemente dos seus
estados de desenvolvimento económico. Os chamados critérios de convergência a
que os países foram obrigados para se integrarem na Zona Euro meteram no mesmo
saco nações pobres, remediadas ou ricas, nações importadoras ou exportadoras –
neste caso uma única, a Alemanha.
Hoje, mui doutos analistas sentenciam salomonicamente que se
os gregos defendem os seus interesses também é democrático que os alemães
defendam os seus. Uma doutrina muito pragmática, tecnocrática como estipulam os
cânones da modernidade, embora deva ser acompanhada por um pequeno reparo: os
gregos defendem-se da ganância alemã; os alemães entendem como seus os
interesses dos restantes europeus. E o Euro é uma arma fundamental dos
interesses alemães encarados com esta abrangência.
O Euro é causa e efeito da tragédia grega e do efeito de
dominó que já atinge muitos outros países europeus. Até a própria Alemanha, que
se julga hoje imune aos efeitos de uma qualquer solução grega e mais tarde ou
mais cedo perceberá o erro de cálculo que é o de humilhar com exigências em
cima de exigências os povos que são, ao mesmo tempo, os principais compradores
dos produtos que a sua economia exporta.
Para quem ainda tenha dúvidas sobre o efeito de dominó que
resultará da explosão do Euro – na sua versão actual a 19 países – chamo a
atenção para o facto de na sombra da estratégia de Merkel e de Schauble estar Otmar
Issing, ex-administrador do Banco Central Europeu, conselheiro do famigerado Goldman Sachs, como é de bom-tom, e que foi em 2012 o ideólogo da condenação
dos PIIGS, como estão lembrados a doutrina de expulsão da Zona Euro de países
como Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. Talvez se perceba agora
melhor a recente exclamação do primeiro-ministro italiano, Mateo Renzi, pedindo
que “deixe de se humilhar a Grécia”. Ele sabe que o seu país está na fila para
o mesmo destino e pelo menos admite-o implicitamente, ao contrário de outros
capazes de seguir a Alemanha até ao fim do mundo, neste caso até aos
descalabros dos seus próprios países.
Sejam quais forem as medidas que venham a ser anunciadas a
propósito da Grécia, uma conclusão pode avançar-se já: o prazo de validade do
Euro, tal como foi inventado em Maastricht à imagem e semelhança do Marco
alemão, está a esgotar-se. Cumpriu, contudo, a tarefa histórica pretendida por
quem o inventou: partir dos critérios de convergência para a instauração do
regime da austeridade, entendido como a mais violenta regressão em direitos sociais
e humanos registada na Europa moderna.
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